Mas não
quero gastar o que me resta de tempo em reflexões clichês de aproveitar a vida,
não desperdiçá-la. Fico realmente intrigado com pessoas que apontam para os
outros dizendo que deveriam viver a vida como se fosse o último dia da sua
vida. Isso não é possível, não conseguimos viver um dia por vez. Não é como se
tivéssemos a opção de jogar tudo para o alto e entrar no caos. Eu acredito que
a rotina anda de mãos dadas com a vida, é quase como o nosso instinto de
sobrevivência.
Pergunto-me
o porquê de ter começado essa mórbida reflexão e então as duas palavras voltam
a ecoar na minha cabeça, dançado como uma borboleta à minha volta. “Três meses”
foi o que o médico disse. Eu tinha mais três meses… Acho que no fundo não me
importo muito com isso. É mais como se eu tivesse uma vantagem sobre as outras
pessoas e soubesse a minha data de validade.
Normalmente
as pessoas devem entrar numa jornada para o seu interior, pensando sobre a vida
que levou e começar a tomar decisões idiotas como pular de paraquedas, mandar o
chefe para o inferno e torrar as suas economias em festas. Elas acreditam que
isto sempre foi o maior desejo das suas vidas, e que não podiam fazê-lo porque
tinham família ou algo que as forçava continuar vivendo uma rotina chata e
estressante.
Não creio
que elas realmente queiram fazer isso desesperadamente antes de morrer. Para
mim essa é uma tentativa desesperada de serem lembradas. Este é o único meio de
vencerem a morte individual. A história nos mostra diversos exemplos de como
sermos imortalizados, e todos os homens com seus nomes nas folhas dos livros de
História chegaram lá da mesma forma: através das nossas ações.
Aí é o ponto
em que eu queria chegar! Deixar a minha marca na história. E eu tinha três
meses para isso. Eu tinha de fazer algo que me fizesse ser lembrado no mundo
todo, esse sempre foi o maior desejo da minha vida. Eu não queria ser apenas
mais um nome no obituário do jornal, eu desejava estar na primeira capa, ser a
notícia do ano, da década, ter documentários e filmes sobre mim. E acho que não
me saí tão mal assim, o mundo inteiro voltou-se para mim. Todos querem saber da
minha vida, se o que me resta dela é o suficiente para uma última entrevista.
Eu nunca gostei muito da mídia, mas ela serve muito bem ao meu propósito agora.
Sei que tem muita gente me chamado de monstro
e mal pode esperar pela minha morte, mas há quem me considere um herói que
lutou contra o tirano vilão que oprimia a população sem voz. Eu não me importo
com o que pensam de mim ou das minhas ações, a história não difere bem e mal,
ela apenas registra os fatos, e foi exatamente o que eu fiz, uma grande
bagunça. E esta é minha passagem para a fama póstuma.
*** *** ***
Eu passei a
maior parte do julgamento com a cabeça em outro lugar. Pouco me importava o que
seria dito ou a sentença que eu receberia, não fazia a mínima diferença. Mas
confesso que foi até engraçado expressão de todos, sabendo que aquilo tudo era
apenas uma formalidade, pura burocracia, todos partilhavam do sentimento de que
eu sairia dali impune.
Enfim, não
há muito que eu possa fazer agora, apenas aguentar as dores finais que
prenunciam o que já é esperado. Os três meses completaram há dois dias. Três
meses desde a consulta com o médico, estou vivo há dois dias, funcionando na
reserva, um pequeno presente para que eu possa ao menos ter certeza de que
funcionou.
Foi até
engraçado comparar o meu feito com o de outras pessoas que marcaram a história
da humanidade. Alexandre moveu seus domínios além do horizonte, Hitler foi a
estrela principal do maior evento da história moderna, e eu só explodi um
caminhão. Mas escolhi o melhor palco para isso.
Parando para
pensar agora, acho que fui meio hipócrita no início deste documento falando
sobre pessoas que decidem fazer idiotices ao descobrirem que irão morrer logo.
Eu realmente fiz a maior idiotice da minha vida três dias atrás, no dia que eu
imaginava ser a véspera da minha morte. Roubei um caminhão tanque, cheio de
gasolina e dirigi desesperadamente até o Congresso Nacional, não sei como
escapei vivo de tudo aquilo, seguranças atirando de todos os lados e só tomei
um tiro na perna. O resto todo mundo já sabe melhor até do que eu. Quando fui
preso não tive mais contato algum com um meio de comunicação. Sou realmente
grato por ter vivido ao ponto de ver que deu certo.
Como já
disse, não tenho mais o que fazer. Creio que os meus propósitos já foram
explicados neste documento, o qual eu espero chegue ao conhecimento do povo. Este foi só mais um grito desesperado pela a
vida, apenas mais um num mar de milhares de outros iguais a mim.
No mais,
estou orgulhoso de mim mesmo. Não tenho exigências quanto ao meu enterro, nem
tenho a intenção de pedir alguma frase grandiosa na minha lápide, caso eu tenha
uma. Não estou deixando bens materiais, vendi tudo o que tinha e dei o dinheiro
a um terceiro a quem não identificarei, pois não vejo importância nisto.
José Maria da Silva
(Essa obra é uma ficção e eu não quero explodir o Congresso Nacional e os políticos corruptos que lá habitam, e caso alguém o faça eu não tenho nada a ver com isso)
Música para ouvir: Greystone Chapel – Johnny Cash (escrita
por Glen Sherley)
Na ficção nos rebatizamos, não é mesmo Rodrigo?
ResponderExcluirótima semana mais curta para todos nós!