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domingo, 19 de agosto de 2012

Testamento

                Certamente nunca vi problema algum em conversar abertamente sobre a morte. Este assunto parece incomodar as pessoas, fazê-las pensar na única coisa que elas não têm controle, o único compromisso da vida em que elas não podem planejar, adiar ou cancelar.

            Mas não quero gastar o que me resta de tempo em reflexões clichês de aproveitar a vida, não desperdiçá-la. Fico realmente intrigado com pessoas que apontam para os outros dizendo que deveriam viver a vida como se fosse o último dia da sua vida. Isso não é possível, não conseguimos viver um dia por vez. Não é como se tivéssemos a opção de jogar tudo para o alto e entrar no caos. Eu acredito que a rotina anda de mãos dadas com a vida, é quase como o nosso instinto de sobrevivência.

            Pergunto-me o porquê de ter começado essa mórbida reflexão e então as duas palavras voltam a ecoar na minha cabeça, dançado como uma borboleta à minha volta. “Três meses” foi o que o médico disse. Eu tinha mais três meses… Acho que no fundo não me importo muito com isso. É mais como se eu tivesse uma vantagem sobre as outras pessoas e soubesse a minha data de validade.

            Normalmente as pessoas devem entrar numa jornada para o seu interior, pensando sobre a vida que levou e começar a tomar decisões idiotas como pular de paraquedas, mandar o chefe para o inferno e torrar as suas economias em festas. Elas acreditam que isto sempre foi o maior desejo das suas vidas, e que não podiam fazê-lo porque tinham família ou algo que as forçava continuar vivendo uma rotina chata e estressante.

            Não creio que elas realmente queiram fazer isso desesperadamente antes de morrer. Para mim essa é uma tentativa desesperada de serem lembradas. Este é o único meio de vencerem a morte individual. A história nos mostra diversos exemplos de como sermos imortalizados, e todos os homens com seus nomes nas folhas dos livros de História chegaram lá da mesma forma: através das nossas ações.

            Aí é o ponto em que eu queria chegar! Deixar a minha marca na história. E eu tinha três meses para isso. Eu tinha de fazer algo que me fizesse ser lembrado no mundo todo, esse sempre foi o maior desejo da minha vida. Eu não queria ser apenas mais um nome no obituário do jornal, eu desejava estar na primeira capa, ser a notícia do ano, da década, ter documentários e filmes sobre mim. E acho que não me saí tão mal assim, o mundo inteiro voltou-se para mim. Todos querem saber da minha vida, se o que me resta dela é o suficiente para uma última entrevista. Eu nunca gostei muito da mídia, mas ela serve muito bem ao meu propósito agora.

             Sei que tem muita gente me chamado de monstro e mal pode esperar pela minha morte, mas há quem me considere um herói que lutou contra o tirano vilão que oprimia a população sem voz. Eu não me importo com o que pensam de mim ou das minhas ações, a história não difere bem e mal, ela apenas registra os fatos, e foi exatamente o que eu fiz, uma grande bagunça. E esta é minha passagem para a fama póstuma.

***      ***      ***

            Eu passei a maior parte do julgamento com a cabeça em outro lugar. Pouco me importava o que seria dito ou a sentença que eu receberia, não fazia a mínima diferença. Mas confesso que foi até engraçado expressão de todos, sabendo que aquilo tudo era apenas uma formalidade, pura burocracia, todos partilhavam do sentimento de que eu sairia dali impune.

            Enfim, não há muito que eu possa fazer agora, apenas aguentar as dores finais que prenunciam o que já é esperado. Os três meses completaram há dois dias. Três meses desde a consulta com o médico, estou vivo há dois dias, funcionando na reserva, um pequeno presente para que eu possa ao menos ter certeza de que funcionou.

            Foi até engraçado comparar o meu feito com o de outras pessoas que marcaram a história da humanidade. Alexandre moveu seus domínios além do horizonte, Hitler foi a estrela principal do maior evento da história moderna, e eu só explodi um caminhão. Mas escolhi o melhor palco para isso.

            Parando para pensar agora, acho que fui meio hipócrita no início deste documento falando sobre pessoas que decidem fazer idiotices ao descobrirem que irão morrer logo. Eu realmente fiz a maior idiotice da minha vida três dias atrás, no dia que eu imaginava ser a véspera da minha morte. Roubei um caminhão tanque, cheio de gasolina e dirigi desesperadamente até o Congresso Nacional, não sei como escapei vivo de tudo aquilo, seguranças atirando de todos os lados e só tomei um tiro na perna. O resto todo mundo já sabe melhor até do que eu. Quando fui preso não tive mais contato algum com um meio de comunicação. Sou realmente grato por ter vivido ao ponto de ver que deu certo.

            Como já disse, não tenho mais o que fazer. Creio que os meus propósitos já foram explicados neste documento, o qual eu espero chegue ao conhecimento do povo. Este foi só mais um grito desesperado pela a vida, apenas mais um num mar de milhares de outros iguais a mim.

            No mais, estou orgulhoso de mim mesmo. Não tenho exigências quanto ao meu enterro, nem tenho a intenção de pedir alguma frase grandiosa na minha lápide, caso eu tenha uma. Não estou deixando bens materiais, vendi tudo o que tinha e dei o dinheiro a um terceiro a quem não identificarei, pois não vejo importância nisto.

José Maria da Silva

(Essa obra é uma ficção e eu não quero explodir o Congresso Nacional e os políticos corruptos que lá habitam, e caso alguém o faça eu não tenho nada a ver com isso)

Música para ouvir: Greystone Chapel – Johnny Cash (escrita por Glen Sherley)

domingo, 27 de maio de 2012

Falso Morfeu

Eu sonhei com o demônio esta noite.
Nada aconteceu, eu só estava em uma sala igual às salas de espera de consultórios médicos, com uma mesinha de centro com várias revistas em cima e vasos de plantas nos cantos da sala. Eu estava sentado em um sofá que fica do lado oposto ao da porta, no lado da porta havia duas poltronas e numa delas estava sentado um homem bem apessoado vestido de branco exceto pela gravata e pelos sapatos pretos lustrosos.
Aparentemente não se podia afirmar se o homem era o demônio ou não. Ele transparecia muita classe, superioridade. Ele tinha um olhar bastante amigável, como se nunca houvesse tempo ruim para ele, mesmo estando numa sala de espera de um consultório médico. Uma sala de espera sem uma recepcionista, sem uma TV... Só a reconfortante situação entre escolher alguma revista sobre design de ambientes ou ficar encarando um estranho e arriscar uma conversa sobre o tempo.
O sonho inteiro se passou comigo sentado olhando para o homem de branco que tinha um olhar despreocupado com a vida.
Na noite seguinte eu tive o mesmo sonho. Ele correu igualmente como na noite anterior mas, a poucos minutos antes de acabar como na vez passada, o homem de branco parou de olhar em volta da sala e se concentrou em mim. No começo eu fingi não notar, balancei a perna como se demonstrasse pressa para ser atendido e sair logo dali, ele não desviava o olhar de mim. Tentei uma olhada rápida enquanto movia a cabeça fingindo um leve mal estar no pescoço, mesmo passando rapidamente a vista por ele, vi seus olhos azuis totalmente concentrados em mim, mas dessa vez o olhar despreocupado dera lugar a um olhar de curiosidade, interesse e diversão. Comecei a me sentir realmente desconfortável e pensei em pegar uma revista na mesinha à minha frente. Quando estendi a mão para a mesa, quando ia tocar uma revista, ouvi uma voz macia e agradável tomar a sala e quebrar o silêncio pela primeira vez.
- Olá, Carlos. Como tem passado? - Por um momento  senti meu corpo congelar e um arrepio correu desce a ponta dos meus dedos prestes a pegar uma revista até a minha nuca.
Eu olhei para o homem e agora ele estava sorrindo com a seu rosto amigável. Acordei logo em seguida.
Senti-me muito mal o dia todo. Minha cabeça doía e o meu estômago passou a manhã toda doendo. Depois do almoço passei o resto do dia com náusea. Pedi licença do trabalho, sentia como se a minha cabeça fosse rachar e decidi ir para casa. Maria pareceu me ignorar completamente, nem se mostrou interessada na minha saída mais cedo do trabalho.
Ao abrir a porta, a escuridão e a umidade do ligar me deram um calafrio. Mas, felizmente, a falta de iluminação aliviara a minha dor de cabeça e passava a me sentir um pouco melhor. Andei até o sofá, me estirei e liguei a TV, logo a luz saída do aparelho correu aos meus olhos e alcançou a minha cabeça como lanças trazendo pulsos de dor consigo. Desliguei a TV e deitei no sofá olhando para o teto, coloquei uma almofada no rosto e apaguei. Um apagão.
Acordei cerca de cinco horas depois, cheguei em casa por volta das quatro e meia, o relógio quase anunciava as dez da noite e eu não tinha comido nada desde o almoço. Meu estômago aliviara e comecei a sentir um pouco de fome. Fui à cozinha e encontrei o bolo do dia anterior que eu nem tocara esta manhã por causa da dor no estômago. Peguei um pedaço pequeno para testar como estava agora, a cabeça doía ainda, mas não sentia mais náusea, mordi o pedaço de bolo, mastiguei um pouco e o engoli. Pude o sentir traçando todo o caminho até o meu estômago e, ao alcançá-lo, senti também ele voltando. Corri desesperado para o banheiro e vomitei na privada. Fiquei apavorado ao ver sangue junto, aquilo não era normal, dei descarga rápido e fui tomar um banho, depois fui me deitar.
Novamente estava na sala do consultório com o homem de branco me encarando. Agora ele tinha mais alegria no seu sorriso. Peguei logo uma revista na mesa e fingi não ligar para o homem à minha frente. Folheava a revista sem ler nada, só conseguia pensar em como o homem sabia o meu nome.
- É um sonho, Carlos. Eu sou um fruto do seu subconsciente, por isso sei o seu nome. Disse o homem de branco parecendo se deliciar a cada reação minha.
- Isso faz sentido. Foi só o que pude responder.
- Sabe - ele continuou - você não está nada bem. Deveria ir a um médico, esta cada vez mais ficando pior.
Eu o olhava sem saber o que dizer e isso parecia o divertir muito, e ele continuou - Mas talvez você não deseje mais ficar aqui, Maria não liga mais para você, mesmo depois de você ter se declarado para ela. É duro ter o amor por alguém rejeitado, não?
Desta vez ele deixou transparecer alguma amargura. Mas não tem problema, pois também sentir meu peito se comprimir e a garganta fechar, uma semana atrás eu disse para Maria que a amava, depois disso ela parou de falar comigo como fazia antes, só me cumprimentava ou vinha tirar alguma dúvida sobre alguma apólice de um cliente dela.
 - Mas estou aqui para te ajudar, e vou te contar enquanto você ainda tem tempo. Ela só se aproximou de você por causa das suas dores de cabeça. - o homem voltou a sorrir em júbilo. O que as minhas dores de cabeça tinham a ver com tudo isso? Elas começaram a cerca de um mês, até fui ao médico mas o resultado ainda não tinha cheg...
O homem sorriu, era evidente que ele sabia tudo o que eu estava pensando. Acordei logo em seguida.
Ainda estava escuro, o despertador ao meu lado anunciava 4:53 AM. A minha cabeça ainda doía e ao mesmo tempo em que eu levantava e me arrumava a dor ia crescendo. Eu não sabia bem o que iria fazer, mas continuei me arrumando e saí de casa, precisava ir ao trabalho checar uma coisa.
Como cheguei cedo, e muitas pessoas viravam a noite trabalhando na corretora, os seguranças não estranharam nada. Fui até a mesa da Maria e por sorte a sua gaveta estava destrancada. Vi muitos papéis de apólices e documentos de seguros de clientes, mas o que eu procurava estava no fundo da gaveta. Era uma carta do hospital dos funcionários da corretora, até aí não havia nada demais, exceto que ela estava endereçada a mim.
Descobrir aquilo já clareou muitas das minhas dúvidas. Maria notara as minhas dores de cabeça frequentes e se mostrou preocupada. Nós já conversávamos bastante, tínhamos os mesmos gostos e ironicamente as minhas dores de cabeça nos aproximou, alguns colegas até me perguntaram se estávamos namorando. Saímos duas vezes, e a maneira como ela me olhava preocupada quando eu tomava mais e mais aspirinas, aquilo mexia comigo, crescia algo dentro de mim. Ela me convenceu a ir ao médico há duas semanas, e há uma semana ela não falava mais comigo.
Voltei a minha atenção para a carta. Continha o meu nome e abaixo em negrito estava escrito "Resultados do Exame" então seguia um monte de nomes que nunca vi na vida e vários percentuais e, mesmo não sendo perito, pude ver que as coisas não estavam como deveriam estar.
A minha cabeça começou a doer mais forte e lembrei que ela tinha algumas aspirinas na gaveta também, fui procurar os comprimidos e vi de relance um papel com o meu nome escrito. Era um documento da corretora, um seguro de vida em meu nome, e Maria era a beneficiária primária. Uma dor abissal tomou a minha cabeça e por pouco tempo pensei que iria desmaiar. Eu precisava sair dali, não tinha certeza do que estava acontecendo, mas precisava ir a um médico com urgência. Virei-me para a saída e vi Maria parada atrás de mim me olhando com os olhos arregalados e com a respiração pesada.
- Me deixe explicar, Carlos. Eu estava confusa, e não sabia o que pensar sobre nós dois. - cada palavra que ela pronunciava era um pulso de dor que começava na minha cabeça e descia em uma onda enegrecendo a minha visão como se eu estivesse piscando os olhos rapidamente.
- Quando você descobriu que eu iria morrer? - perguntei sem demonstrar qualquer emoção.
Ela levou uma mão à boca tentando sufocar um choro. Parecia perdida, arrependida. "Eu precisava de dinheiro, estou devendo um dinheiro considerável ao banco e podia acabar perdendo o emprego, no início eu só ia te pedir um empréstimo até eu conseguir arrumar tudo, mas aí chegou a carta... eu estava desesperada.". Isso me enfureceu, ela brincou comido apenas porque não sabia administrar o próprio dinheiro? Minha morte iria ajudá-la a continuar comprando as suas bolsas, sapatos e roupas de grife para desfilar por aí?
- Mas eu desisti de tudo quando você se declarou para mim, eu não podia continuar com isso. - ela tinha desespero no olhar. Eu estava começando a me acalmar e pensar mais devagar quando ela continuou - Por favor, não conte ao Alberto, ele vai me demitir.
No fim, a vadia só estava preocupada com o próprio rabo. Eu agora a encarava enfurecido, ensandecido, e percebi que alguém nos olhava do corredor. Por trás do vidro eu vi um homem já familiar, com as suas roupas brancas e a gravata preta, ele me olhava com olhos entusiasmados, se deleitando com a cena, torcendo pelo que vinha a seguir, era como se estivéssemos em sintonia. Ele acenou com a cabeça como se me indicasse alguma coisa. Olhei para a mesa ao meu lado, em cima de uns papéis tinha um abridor de cartas de ferro. Foi com ele que Maria abriu a minha carta e teve a ideia para resolver os seus problemas? Pude imaginar ela recebendo a carta por mim, meu horário estava muito bagunçado então seria muito fácil a carta do hospital chegar em um dia que eu não estava lá e Maria, como estava atuando ser para todos, inclusive para mim,  a minha namorada ou algo assim, recebeu a carta com uma cara preocupada e disse que iria me entregar o mais rápido possível.
A minha mão pegou o abridor de cartas inconscientemente, a dor rachava atrás dos meus olhos, Maria olhava para mim e para a peça de ferro na minha mão. O homem no corredor observava tudo com os seus olhos apreensivos, como alguém sentado na poltrona do cinema assistindo a um momento de vida ou morte no filme.
- Por favor, Carlos. Não conte ao Alberto? - Ela insistiu mais uma vez. Era evidente que nada importava mais do que ela mesma. Não pensei em mais nada depois disso.
Segurei firme o abridor de cartas e o cravei no seu pescoço, ela tentou gritar mas saiu apenas um gorgole abafado. Infelizmente tinha alguns empregados entrando na sala no momento, eles estavam conversando mas não puderam deixar de perceber o que eu fiz. Eles gritaram o meu nome e tentaram me segurar. Eu me esquivei e parti para a saída, a cabeça doendo mais e mais, não conseguia pensar em nada além da dor. Até que tudo ficou preto.
Abri os olhos de novo no mesmo sofá de sempre. A mesma mesa, as mesmas revistas e o mesmo homem de branco me olhando. Ele estava alegre como sempre.
- Olá, Carlos. Divertiu-se tanto quanto eu?
- Quem é você afinal? Eu te vi lá na corretora, eu sonhei aquilo tudo também?
- Não, não. Lhe asseguro que todos os fatos naquela manhã foram completamente reais - ele disse com firmeza.
- Como naquela manhã? Eu não acabei de desmaiar?
- Você desmaiou há dois dias, depois de ter tentado matar a pobre Maria desmaiou poucos segundos depois. Agora está numa cama de hospital.
-Tentar matar? Ela não morreu? - ao mesmo tempo em que estava aliviado, queria que ela não tivesse escapado, queria que ela pagasse pelo que fez.
- Ela foi socorrida a tempo e está a um andar acima de você. Mas não precisa se preocupar em ela ainda tentar te matar e conseguir uma bolada com o seu seguro. Você fez jorrar tanto sangue dela que o documento do seu seguro que ela forjou ficou empapado de sangue, assim como muitas outras folhas não só na mesa dela, até nas janelas tinha sangue. Foi lindo! - ele não se continha de excitação.
- Você é um demônio! Deixe-me em paz! - tentei, pela primeira vez em todos os sonhos, me levantar do sofá e sair dali, mas não consegui.
Ele fez uma careta e depois um olhar de tristeza.
- A partir de agora me chame de Lúcifer, sim?
- O que? Por que está dizendo isso?
- Eu vim te buscar, Carlos. Eu comecei a te observar depois de tomar conhecimento da sua lamentável situação. Você me divertiu bastante, mas, no fim, todo jogo acaba, não é mesmo?
O homem agora tinha um olhar vago, como se estivesse se lembrando das melhores partes do filme que acabara de assistir no cinema.
Então a porta do consultório se abriu. O homem de branco se levantou e disse:
- Estou indo na frente, tudo bem? Não se atrase. - e deu uma risada antes de sair pela porta.
Pude sentir que se quisesse ir embora agora eu conseguiria, mas fiquei no mesmo lugar. Minha vida desmoronou em um mês. Não me importava agora do que se tratavam as minhas dores de cabeça, não me importava com o que iria acontecer com Maria, mesmo tendo quase certeza de que ela ganharia o seguro de vida que todos os funcionários têm, e provavelmente encontraria um meio de processar a corretora e ganhar mais alguma coisa.
Me inclinei para frente, afundei o rosto entre as mãos e comecei a chorar.

Fim

Música para ouvir: Little Children - Everly

segunda-feira, 23 de abril de 2012

La Pistola apresenta: O Jogo das Doenças


Haha. Se ainda não perceberam eu vou dizer... É, não confiem muito no que digo. Postar ao menos uma vez por mês? Hah, nunca espere algo que dependa da boa vontade de alguém. Hahahah

Enfim, comecemos com as velhas vagas promessas. Postarei uma vez por mês. Escreverei mais. Desenharei mais. Deixarei o videogame mais de lado. Perderei a minha barriga flácida. Cumprirei ao menos uma dessas metas.

Bem, como estou postando hoje, então já estou cumprindo com a primeira. Por mais que eu não esteja falando nada de relevante aqui.

Então, como eu deveria animar esse blog? Talvez eu devesse escolher um tópico a cada post e começar a falar coisas mirabolantes sobre ele, ou apenas reclamasse e xingasse tudo e todos? Todos gostam disso, não? E eu ainda seria contratado por alguma emissora (Muahaha, alfinetando pessoas que nem me conhecem e nem lerão isso?). Ou faço algum vídeo idiota e ganho a minha semana de fama na internet? Deus abençoe a inclusão digital.

Pois é, as pessoas adoram coisas inúteis... Precisamos de coisas inúteis para compensar todas as nossas preocupações? Não sei, acho que sim, escrevendo essas baboseiras e paro de pensar nos trabalhos atrasados da faculdade, o pouco dinheiro que tenho, o medo do filme dos Vingadores sair uma bosta... Nada nos interessa mais do que as tragédias, não é mesmo? Confesse que a música do plantão da Globo te dá medo, mas você quase não se contém de excitação para saber que merda que rolou. Vai me dizer que você nunca participou de uma competição de doenças? O quê? Não sabe o que é isso?

Jogo das Doenças
Mínimo de 2 jogadores

Instruções

1 – Comente sobre algum conhecido seu que está doente;
2 – O outro jogador irá comentar sobre outra pessoa que está com uma doença pior;
3 – Fale da morte horrível que algum conhecido do primo do seu tio teve;
4 – Logo as pessoas em volta começarão a comentar de doenças terríveis de mortes agoniantes, sempre superando as anteriores;
5 – Em poucos minutos o lugar tomará vida e se tornará sociável e convidativo à interação de novos jogadores.

Vai me dizer que você nunca participou disso? Hahahahah
Isso é tudo, pessoal!
Até mês que vem! (Já avisei no início... Não leve isso a sério)


Música para ouvir? Vamos de Empty Speces – Pink Floyd

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Origem da Chuva


Eu não me lembro há quanto tempo estou preso. Não me lembro nem há quanto tempo estou preso aqui. Não me lembro quando estas paredes tornaram-se familiares, amigáveis. As paredes me envolvem por todos os lados e a janela na minha frente é o meu único caminho à liberdade.
Na verdade, acho que sei há quanto tempo estou preso. Estou preso desde que tomei conta de que estava preso. Desde que percebi que não havia para onde escapar, as prisões tornaram-se claramente visíveis e cada vez menores.
Quando eu era pequeno, via na televisão um monte de cavalos selvagens correndo em um vasto campo e aquilo significava para mim a liberdade. Em seguida eu corria pelo quintal pela tarde toda e ia para a rua e não havia barreiras no meu mundo. Eu achava que não havia.
O tempo foi passando e o vídeo da tropa selvagem pelo campo passou a ser falso, não havia cavalo nenhum correndo livremente pelo campo. Aqueles cavalos já estavam encarcerados. Primeiro foram caçados pelo homem e em seguida presos num rolo de filme que rodaria e rodaria em milhares de caixas por toda parte.
O branco das paredes já não é mais branco para mim. O branco retorce e torna azul... verde, amarelo... vermelho... e retorna ao branco manchado e gasto. Há quanto tempo estou preso aqui?
Lembro de uma conversa que a minha mãe teve com o carcereiro de uniforme branco como todas as paredes. Ele dizia que nunca havia visto um caso tão peculiar, e chegava a ficar em dúvida se eu deveria mesmo estar ali. Minha mãe chorou quando nos despedimos, e nunca mais a vi. Quanto tempo faz mesmo?
Depois de descobrir a farsa do vídeo dos cavalos, as prisões tornaram-se fáceis de ver. Na escola seguíamos as regras diariamente, naturalmente. No primeiro dia de aula, eu entrei na sala e vi um monte de crianças sentadas, a professora mandou que eu encontrasse um lugar para me sentar e eu o fiz. É bem fácil adaptar-se às regras quando elas estão camufladas. Nós comemos na hora ordenada, estudamos quando nos mandam, fazemos silêncio quando nos olham feio e brincamos quando é permitido. É o mesmo roteiro para todas as prisões, mudando apenas as atividades. No trabalho, no mercado, em casa, em todos os lugares estaremos presos por paredes.
O carcereiro foi muito simpático comigo, costumam fazer isso para nos ludibriar. Conversou sobre bastantes coisas. Agora ele não conversa mais comigo... Será que foi algo que eu disse?
Lembro que ele teve uma reação semelhante à de um garoto com quem estudei no colégio. Quando contei pra ele como a chuva torna-se chuva. Ninguém parece acreditar nessa explicação, e confesso que também não acreditaria se não tivesse visto aquilo. Foi um tempo depois que descobri que não havia fuga da maior prisão de todas.
“E se houver a prisão infalível?” era o que eu pensava pouco antes de descobrir que meus questionamentos me levariam à resposta que temia.
Eu estava longe de casa. Saí pela porta e fui andando sem rumo e sem perceber o que estava fazendo. A única coisa que me passava pela cabeça é que precisava escapar daquilo. A prisão de viver, de estar preso a escolhas definidas há muitos anos, escolhas que a sociedade sacramentou. Eu continuei andando e por mais que pensasse logo as paredes iam solidificando e me guiando numa nova direção de um labirinto sem propósito. As paredes iam crescendo tão altas que eu tinha de erguer a cabeça cada vez mais, até ver que não poderia fugir daquela prisão.
Foi quando olhei para o alto. Uma nuvem flutuava tediosa no céu e vi a cabeça de um cavalo surgir e sumir rapidamente por cima da nuvem. Minha mãe me encontrou desmaiado quase fora da cidade e passei uma semana em casa com ela me seguindo para onde quer que eu fosse.
Finalmente pude ir para o colégio. O garoto com quem costumava brincar veio me perguntar por quê tinha faltado tando e contei que foi porque descobri como a chuva torna-se chuva. Ele me perguntou como e falei que acima das nuvens existem cavalos gigantes que correm sem rumo por toda a eternidade. Vários cavalos trotam sobre as nuvens tão ferozes que seus cascos ressoam como trovões acima da terra e quando os cascos de ferro atingem os blocos de gelo escondidos nas nuvens, relâmpagos e raios iluminam a terra fúnebre abaixo das nuvens. Ao correr pelos lagos acima das nuvens, a água respingava para todos os lados e a chuva caía sobre nós.
O carcereiro permaneceu sério após eu terminar, e não falou mais comigo. Então vim parar nesta cela de paredes coloridas que se tornam brancas no fim.
Mas não me importo se as pessoas não acreditam sobre como a chuva surge. Não ligo para nada mais, porque sei que nenhuma verdade tem valor enquanto você estiver preso. E a origem da chuva me levou a descobrir a maior de todas as prisões. Uma prisão da qual não podemos fugir. Eu vi o horizonte e uma linha dividia o céu da terra. Então percebi que não havia fuga disso. Não importa o quanto você ande, ao longo do horizonte irá se levantar a grande parede que sem percebermos torna-se teto e nos envolve sem chances de escapatória. O céu nos cobre por completo. Impedindo-nos de ir além. O mundo é a prisão mais perfeita que existe. A gravidade é o grilhão da natureza e o céu os muros. E sobre a terra, estamos presos com a falsa noção de liberdade, presos cumprindo cada um a sua prisão perpétua chamada vida.

Música para ouvir: Stairway to Heaven – Led Zeppelin

Aê, primeiro post do ano. Era para ser o último do ano passado, mas essa pausa prejudicou e com certeza o nível caiu, então peço desculpas e espero melhorar cada vez mais e passar o que já fui. Pretendo postar ao menos uma vez por mês, então fiquem de olho e obrigado.