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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Origem da Chuva


Eu não me lembro há quanto tempo estou preso. Não me lembro nem há quanto tempo estou preso aqui. Não me lembro quando estas paredes tornaram-se familiares, amigáveis. As paredes me envolvem por todos os lados e a janela na minha frente é o meu único caminho à liberdade.
Na verdade, acho que sei há quanto tempo estou preso. Estou preso desde que tomei conta de que estava preso. Desde que percebi que não havia para onde escapar, as prisões tornaram-se claramente visíveis e cada vez menores.
Quando eu era pequeno, via na televisão um monte de cavalos selvagens correndo em um vasto campo e aquilo significava para mim a liberdade. Em seguida eu corria pelo quintal pela tarde toda e ia para a rua e não havia barreiras no meu mundo. Eu achava que não havia.
O tempo foi passando e o vídeo da tropa selvagem pelo campo passou a ser falso, não havia cavalo nenhum correndo livremente pelo campo. Aqueles cavalos já estavam encarcerados. Primeiro foram caçados pelo homem e em seguida presos num rolo de filme que rodaria e rodaria em milhares de caixas por toda parte.
O branco das paredes já não é mais branco para mim. O branco retorce e torna azul... verde, amarelo... vermelho... e retorna ao branco manchado e gasto. Há quanto tempo estou preso aqui?
Lembro de uma conversa que a minha mãe teve com o carcereiro de uniforme branco como todas as paredes. Ele dizia que nunca havia visto um caso tão peculiar, e chegava a ficar em dúvida se eu deveria mesmo estar ali. Minha mãe chorou quando nos despedimos, e nunca mais a vi. Quanto tempo faz mesmo?
Depois de descobrir a farsa do vídeo dos cavalos, as prisões tornaram-se fáceis de ver. Na escola seguíamos as regras diariamente, naturalmente. No primeiro dia de aula, eu entrei na sala e vi um monte de crianças sentadas, a professora mandou que eu encontrasse um lugar para me sentar e eu o fiz. É bem fácil adaptar-se às regras quando elas estão camufladas. Nós comemos na hora ordenada, estudamos quando nos mandam, fazemos silêncio quando nos olham feio e brincamos quando é permitido. É o mesmo roteiro para todas as prisões, mudando apenas as atividades. No trabalho, no mercado, em casa, em todos os lugares estaremos presos por paredes.
O carcereiro foi muito simpático comigo, costumam fazer isso para nos ludibriar. Conversou sobre bastantes coisas. Agora ele não conversa mais comigo... Será que foi algo que eu disse?
Lembro que ele teve uma reação semelhante à de um garoto com quem estudei no colégio. Quando contei pra ele como a chuva torna-se chuva. Ninguém parece acreditar nessa explicação, e confesso que também não acreditaria se não tivesse visto aquilo. Foi um tempo depois que descobri que não havia fuga da maior prisão de todas.
“E se houver a prisão infalível?” era o que eu pensava pouco antes de descobrir que meus questionamentos me levariam à resposta que temia.
Eu estava longe de casa. Saí pela porta e fui andando sem rumo e sem perceber o que estava fazendo. A única coisa que me passava pela cabeça é que precisava escapar daquilo. A prisão de viver, de estar preso a escolhas definidas há muitos anos, escolhas que a sociedade sacramentou. Eu continuei andando e por mais que pensasse logo as paredes iam solidificando e me guiando numa nova direção de um labirinto sem propósito. As paredes iam crescendo tão altas que eu tinha de erguer a cabeça cada vez mais, até ver que não poderia fugir daquela prisão.
Foi quando olhei para o alto. Uma nuvem flutuava tediosa no céu e vi a cabeça de um cavalo surgir e sumir rapidamente por cima da nuvem. Minha mãe me encontrou desmaiado quase fora da cidade e passei uma semana em casa com ela me seguindo para onde quer que eu fosse.
Finalmente pude ir para o colégio. O garoto com quem costumava brincar veio me perguntar por quê tinha faltado tando e contei que foi porque descobri como a chuva torna-se chuva. Ele me perguntou como e falei que acima das nuvens existem cavalos gigantes que correm sem rumo por toda a eternidade. Vários cavalos trotam sobre as nuvens tão ferozes que seus cascos ressoam como trovões acima da terra e quando os cascos de ferro atingem os blocos de gelo escondidos nas nuvens, relâmpagos e raios iluminam a terra fúnebre abaixo das nuvens. Ao correr pelos lagos acima das nuvens, a água respingava para todos os lados e a chuva caía sobre nós.
O carcereiro permaneceu sério após eu terminar, e não falou mais comigo. Então vim parar nesta cela de paredes coloridas que se tornam brancas no fim.
Mas não me importo se as pessoas não acreditam sobre como a chuva surge. Não ligo para nada mais, porque sei que nenhuma verdade tem valor enquanto você estiver preso. E a origem da chuva me levou a descobrir a maior de todas as prisões. Uma prisão da qual não podemos fugir. Eu vi o horizonte e uma linha dividia o céu da terra. Então percebi que não havia fuga disso. Não importa o quanto você ande, ao longo do horizonte irá se levantar a grande parede que sem percebermos torna-se teto e nos envolve sem chances de escapatória. O céu nos cobre por completo. Impedindo-nos de ir além. O mundo é a prisão mais perfeita que existe. A gravidade é o grilhão da natureza e o céu os muros. E sobre a terra, estamos presos com a falsa noção de liberdade, presos cumprindo cada um a sua prisão perpétua chamada vida.

Música para ouvir: Stairway to Heaven – Led Zeppelin

Aê, primeiro post do ano. Era para ser o último do ano passado, mas essa pausa prejudicou e com certeza o nível caiu, então peço desculpas e espero melhorar cada vez mais e passar o que já fui. Pretendo postar ao menos uma vez por mês, então fiquem de olho e obrigado.

Um comentário:

  1. VEEEEI que massa!! nossa ow, ficou muito bom! ameeeeei! voce é mt foda, Rods hahahaha curti demais :)

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