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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma Noite no Bar - Parte 4 - Henrique Manson


Sabe, em geral, eu não tenho do que reclamar da minha vida. Eu até gosto de ser dono de bar, gosto de conhecer pessoas diferentes, então nada melhor que ter um bar para poder conhecer todo o tipo de pessoa que há no mundo. E, embora meu bar seja muito mal localizado, já conheci figuras no mínimo incomuns. Digo que não tenho do que reclamar da minha vida porque tudo que tenho foi me dado ou foi a minha única opção. Meus pais tinham um sítio a uns 50km daqui até que, certo dia, quando eu tinha 4 anos, um tornado destruiu a nossa casa e matou o meu pai. Minha mãe morreu tentando atravessar o deserto comigo e quase terminei na mesma situação se Billy não tivesse me encontrado. Billy, eu nunca soube seu verdadeiro nome, era um índio solitário que não tinha mais contato com a sua tribo e vivia nesse bar, que na época era a casa dele. Ele me adotou e me ensinou as duas únicas coisas que ele sabia, fazer whisky e ler mentes.
Creio que ele me ensinou bem, pois não tive um cliente que não, ao menos, pensasse “Esse é um maldito de um whisky gostoso”. Nunca bebi, mas posso ver o prazer que todos sentem depois de um gole. Quanto ao lance de ler mentes, Billy disse ter sido expulso de sua tribo por causa deste poder que ele tinha, de algum modo ele me ensinou como fazê-lo, ou talvez eu também fosse uma aberração como ele. Depois que Billy morreu, só me restava o lugar e o que aprendi com ele, não levei muito tempo para decidir transformar o casebre em um bar, foi um trabalho árduo abrir caminho até a estrada mais próxima, minhas costas ficaram doendo por semanas.
Eu segui a vida satisfatoriamente, até um cara todo maltratado entrar no meu bar. Sua mente era um poço de tristeza misturada com ódio e rancor, ele viu a esposa o traindo com o amante e matou os dois. Primeiramente fiquei meio receoso, mas ele também estava cheio de remorso, eu podia ver que ele nunca mais iria ferir alguém, então o servi normalmente, uma coisa que aprendi sobre poder ler mentes é que as pessoas não podem nunca suspeitar que você tenha esse poder, o velho Billy que o diga. Momentos depois entrou um motoqueiro, tão deprimido quanto o primeiro, mas esse se culpava pela morte da mulher, meu whisky parece ter melhorado o seu estado de espírito, a noite parecia estar melhorando até que um cara sem um braço entrou e afetou a todos no lugar. Na mente do cara eu só via a imagem da mulher e a filha mortas, e ficava soando repetidamente uma voz estranha na cabeça dele. Ele acreditava veemente que a voz era do demônio, não havia nada que pudesse convencê-lo do contrário, assim como ele parecia completamente convencido de que encontraria com o demônio esta noite no bar.
Tive de me esforçar para me manter calmo, até que entrou um último cliente, um cara completamente normal desta vez, não sei se fiquei aliviado ou com pena dele por acabar sendo arrastado para uma situação como esta. O cara normal também captou o clima pesado que havia se instalado no bar, mas seguiu para a mesa vazia restante e o servi. Ele tomou um gole e mais uma vez pude conferir a satisfação do cliente, aquilo sempre me deixava orgulhoso. Então o cara sem braço começou a pensar mais forte na voz que o assombrava, ficava repetindo “quando quatro gargantas estiverem saciadas, vai me encontrar” e enfim virou o copo que eu lhe tinha servido.
Ele contou a história dele e todos ficaram confusos, ele sacou a arma que carregava, o que trouxe uma extrema insegurança para todos, mas eu tinha certeza que ele não mataria ninguém que estava no bar sem ter certeza absoluta de que este era o demônio. Tive de fingir estar com medo quando me mandou ir até ele para servi-lo novamente. Começou interrogando o homem que matou a mulher e o amante, e com poucas mas convincentes palavras foi convencido. Ele passou para o motoqueiro, mas um fato foi percebido apenas por mim e, obviamente, o mendigo, o fantasma da sua mulher apareceu alertando-o de que veio para buscá-lo, que hoje ela conseguiria a sua vingança.
Eu tive de me concentrar para poder processar tudo o que acontecia naquele momento, um cara querendo matar o demônio, outro que matou a mulher e estava sendo assombrado pelo espírito dela, um motoqueiro que se culpava por ter matado a mulher e um cara azarado por ter vindo parar no meio disso.
O motoqueiro começou a chorar, ele ainda se sentia culpado pela morte de sua esposa mas, embora tenha passado todos os dias desde o acidente querendo morrer, estava agarrado a uma forte vontade de viver, no fim das contas estava com medo de morrer. O homem sem braço o encarou indiferente, sabia que aquilo não era o suficiente para ficar convencido. Depois de alguns segundos para se recompor, o motoqueiro olhou fixamente para o homem que apontava uma arma diretamente para ele e disse “Desde a morte de Barb, eu andei com a ideia da morte ao meu lado. Não houve um dia em que eu não cogitasse essa saída para o meu sofrimento, mas agora eu não consigo aceitar a morte... Me desculpe... Barb... Me desculpe, eu... eu não consigo.” Antes de terminar sua fala, ele já não olhava mais para o pastor, ele olhava para as lembranças da sua esposa Barbara que agora tomavam a sua mente, ele conversava consigo mesmo.
O pastor não entendeu completamente, mas sentiu que o demônio que perseguia não era aquele homem que, como ele, era perseguido por lembranças de pessoas que amava. A mente do pastor ficou confusa, ele já não tinha completa certeza sobre encontrar o demônio ali. Então a atenção passou toda para o cara que faltava, ele sabia que devia encontrar um meio de convencer o pastor de que não era o demônio, apesar do medo, sua mente procurava sempre se manter calma, seguindo linhas de raciocínios lógicas... O problema é que não há argumentação lógica em uma situação dessas.
Por mais que o homem pensasse, não encontrava um modo de convencer o pastor, provavelmente louco, armado e ficando perigosamente embriagado. Ele chegou a conclusão de que não havia um discurso que o inocentasse totalmente, então ele juntou a coragem restante e disse “Escute, amigo. Por mais desesperado que você esteja, deve lhe haver uma centelha de razão ainda. Eu não sou o demônio, sinto pela sua esposa e a sua filha, sinto mesmo, mas matar alguém aqui nesse bar hoje não vai trazê-las de volta.”
A pistola apontada para o homem estremeceu. O pastor agora tinha um olhar profundo novamente, ele já não tinha mais certeza de nada, já não sabia se tinha controle de si mesmo, se ainda podia pensar racionalmente. Foi então que ele olhou pra mim, não levantou a pistola, mas ficou me encarando.
“Eu sei que você não vai atirar em nenhum de nós, você já não está certo sobre a voz da sua cabeça. Apenas esqueça isso, você pode dormir em um quartinho que tenho ali nos fundos, deixe essa arma aí, descanse um pouco e reflita sobre tudo isso.” Eu tive de tomar muito cuidado para não dar a entender que eu tinha certeza sobre o que ele pensava, creio ter conseguido atuar corretamente. O pastor abaixou a cabeça e começou a chorar baixo. Os outros três sentiram-se aliviados quase que simultaneamente. “Marie... Beth... me perdoem... eu... eu não consegui...” Essas foram as últimas palavras do pastor. Antes de eu conseguir processar o que ele estava pensando ele levou a pistola até a boca e atirou.
Foi tudo muito rápido, mas os sons pareceram ecoar por alguns segundos no ar. O som da bala perfurar a sua nuca e voa pela porta afora pareceu nítido. Não fui o único a estremecer com o som do sangue e de fragmentos de ossos e cérebro atingindo o chão da varanda do bar e a terra do lado do fora, a porta ficou tingida com o escarlate vivo, quase que pulsante ainda. Todos nós ficamos paralisados, mesmo os marmanjos crescidos bebendo em um bar precisam de um tempo para se recuperar de um choque desse. Mas um de nós estava mais aflito que os demais, enquanto estávamos aliviados, ele parecia cada vez mais desesperado. O homem que matou a mulher e agora ela voltara para assombrá-lo, ele estava respirando freneticamente agora, entrei na mente dele e pude compartilhar do terror que passava.
O espírito da sua mulher agora o encarava furiosamente, caminhava lentamente até ele. Nada se passava na sua mente, apenas continuava olhando para a figura que caminhava lenta e pesadamente até ele. “Você não vai escapar, Dan! Hoje a vingança será feita! Hoje nos encontraremos!” dizia a mulher cada vez chegando mais perto do homem petrificado na cadeira. Os outros dois perceberam que ele parecia estranho, deixaram de olhar para o corpo do pastor e passaram a encará-lo. “Será que ele é o demônio” os dois pensaram, mas só eu sabia o que estava realmente acontecendo.
A mulher chegou até o homem e, ao tocar-lhe o pescoço, ele soltou um grito agudo fazendo o motoqueiro ao seu lado pular da cadeira. O homem se contorceu em agonia e abaixou a cabeça. Não pude ler a sua mente então soube que estava morto, provavelmente um ataque cardíaco.
O bar nunca ficou tão silencioso como desta vez, até que lá de fora pude ouvir sons aleatórios, eram pingos de chuva. Começaram poucos, espaçados, até que ficaram mais constantes, e o céu caiu no deserto.
Nenhum dos clientes restantes achou esquisito quando lhes servi outra dose. Eu sabia que eles estavam precisando de mais uns goles para enfrentar tudo aquilo. Depois de servi-los, voltei para trás do balcão, enchi um copo e virei de uma vez. O whisky desceu queimando tudo, mas eu relaxei quase que imediatamente.
Foi então que ouvi passos na varanda do bar, eu já não tinha mais cabeça para manter o bar aberto depois de tudo aquilo, estava pensando seriamente em vender o lugar e fugir dali. Ficamos quietos olhando para a porta agora vermelha, esperando o cliente que chegou atrasado para a festa.
Os passos se aproximavam e foi claramente audível a todos que quem se aproximava do bar estava batendo palmas despreocupadamente...

Música para ouvir: Evil Woman – Black Sabbath

Um comentário:

  1. não acredito que esperei meses e meses pelo final do seu conto para ler isto. na boaa, não gosteiii. teria ficado mais bacana de fato houvese o encontroo com o demonio. mas o conto é seu, vc finaliza como quiser. hahahahhaa. espero por mais um conto, mas que dessa vez não haja tanta morte assimmm! =p

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