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sábado, 16 de julho de 2011

Uma Noite no Bar - Parte Final - W. Munny


O som dos aplausos ressoava por todo o bar. A atmosfera ficou mais pesada do que eu podia imaginar que seria possível depois de tudo o que aconteceu. Eu tentei olhar para os outros no bar, mas não consegui tirar meus olhos da porta, e algo me dava a certeza de que os outros sentiam o mesmo.
Os aplausos cessaram. Estava muito escuro lá fora, e a chuva agora caia forte e incessante. A porta se abriu e um homem vestido de branco entrou. Ele usava um terno que me parecia ser feito sob medida e uma gravata preta, seus sapatos pretos cintilaram logo que entraram no lugar. Ele era loiro e seu rosto parecia saído de uma obra renascentista. Devo dizer que várias coisas me deixaram extremamente abismado com aquele cara, primeiro, ele entrou aplaudindo no bar, segundo, ele pareceu não notar um homem morto com um tiro na cabeça na sua frente, além da bagunça de sangue e miolos por toda a entrada e do cheiro de pólvora e sangue que infestava o lugar, e por último e o mais intrigante, ele não estava molhado.
O céu estava caindo do lado de fora do bar, as gotas agrediam violentamente a frente do bar, não havia como alguém entrar pela frente do bar e não se molhar, entretanto o homem estava impecável. Ele caminhou até o balcão como se estivesse sozinho ali, sentou em uma das cadeiras, olhou para o barman boquiaberto e, com uma voz agradável e macia, disse sorrindo “Whisky, por favor.” Depois de relutar um pouco, o barman o serviu em silêncio. O homem provou o whisky apreciando-o e pousou sutilmente o copo na bancada.
Por um momento, o tempo pareceu congelar, nenhum movimento era percebido lá dentro, e o barulho da chuva era tão distante, quase nenhum. O homem provou novamente a bebida e se virou de costas para o bar. Agora estava olhando para nós, com o seu sorriso que transparecia paz e harmonia. “Por que o silêncio, alguém morreu?” ele disse antes de cair na gargalhada, de alguma maneira, apesar de extremamente mórbido tivesse sido o comentário, aquilo quebrou a tensão. O motoqueiro vacilou “Quem é você? Não percebeu os caras mortos nas cadeiras aí na frente?” o homem o encarou e disse “Ah, sim. Claro que vi estes cavalheiros aí na frente. Mas receio que esteja apenas metade certo. O Danny boy aí do seu lado só desmaiou.” O barman vacilou com o comentário e o homem percebeu, virou-se e disse “Você nunca tentou ler a mente de alguém desmaiado, não é Henrique? Hahaha.” Então o mendigo, que pensávamos ter morrido, e que o homem chamou de Danny, levantou a cabeça de uma vez respirando loucamente e olhando para os lados e falando “Onde? Para onde a Jessie foi?” Ele percebeu o homem de branco olhando para ele e se arrumou na cadeira um pouco menos aflito.
O susto foi muito grande para uma recuperação rápida, então ficamos imóveis até o homem retomar de onde parou “Me desculpe, você me perguntou quem eu sou, não? Bem, na verdade eu sou um anjo.” A seriedade no rosto do homem indicava que não era mais alguma brincadeira macabra dele. “VOCÊ É O DEMÔNIO!!” gritou o mendigo, saltando da sua cadeira e correndo para a parede afastando-se do homem. Este, com uma expressão agora de tristeza e desanimação disse “Eu odeio esse nome. Meu pai me chamou Lúcifer, e prefiro ser chamado assim.”
Embora eu estivesse sentado, minhas pernas amoleceram num grau que imaginei elas soltando do meu corpo. Ninguém disse nada por um tempo, sinceramente eu não fazia ideia alguma de o que fazer, não tinha certeza se acreditava que aquele homem era o demônio, mas ele com certeza não era uma pessoa normal. O mendigo Danny permaneceu imóvel, encolhido em um canto do bar, o motoqueiro não tirava os olhos do homem de branco sentado de costas para o balcão, segurando um copo de whisky e vislumbrando calmamente o corpo do pastor que acabara de meter uma bala na própria cabeça. O barman continuou atrás do balcão, olhando fixamente para o homem, alguma coisa me dizia que ele tinha certeza sobre o quê o homem de banco era, lembro deste ter dito algo sobre o barman poder ler mentes. “Danny, Danny, Danny... Gostou da brincadeirinha que eu fiz com você?”disse o suposto demônio através de um meio sorriso olhando para o mendigo.
O mendigo arregalou os olhos mais que eu imaginei possível para um ser humano, talvez seu estado de quase inanição facilitasse aquilo. “Foi VOCÊ! Foi você quem fez Jessie aparecer na minha frente!” disse o mendigo apontando com uma mão trêmula. O homem aumentou o sorriso e respondeu “Bem, na verdade, ela só me pediu para aparecer. Desde que ela chegou, sempre quis aparecer para te rever. Ela ficou mesmo brava depois que descobriu algumas coisas...” terminou com um aceno de cabeça como se incitasse o homem a voltar no tempo e desenterrar algumas memórias reprimidas. Danny pareceu confuso, mas no fundo ele deixava transparecer que estava escondendo algo.
O motoqueiro se recompôs e interrompeu “O quê está acontecendo aqui? Você é mesmo o dem... você é Lúcifer?” perguntou meio receoso. O homem olhou para o motoqueiro “Bobby, eu já ia chegar em você, homem de pouca fé. Aliás, sinto muito pelo que aconteceu a Barbara, eu queria consolá-la, mas infelizmente ela não veio para mim” disse em um sorriso malicioso. Uma lágrima escorreu do rosto do motoqueiro enquanto ele olhava para o vazio. “Sabe, eu deveria me desculpar. Aquela noite, eu estava feliz com o aniversário de Barbara, estava realmente eufórico. Não imaginei que você fosse se entregar tão facilmente à euforia que compartilhei.” O rosto do motoqueiro ficou vermelho de cólera e ele avançou sobre o homem, mas após dois passos caiu de joelhos no chão, em lágrimas, com um olhar de derrotado no rosto. “Ah, não fique assim. Ambos sabemos que você pode superar isso. Hahaha” O Motoqueiro levantou o rosto com os olhos arregalados, ele parecia implorar por algo. Lúcifer (confesso que eu já estava praticamente convencido), pareceu se deliciar com o olhar do homem e continuou “Não venha me dizer que você não se sentiu bem dormindo com a sua vizinha dois dias após o enterro de Barbara. Para mim, você pareceu bem feliz quando urrava de prazer enquanto a sua vizinha tinha as pernas entrelaçadas ao seu redor.” O motoqueiro desabou de quatro no chão “NÃOOOOO!”
“DEMÔNIO MALDITO! Vá embora!!” gritou o mendigo. Lúcifer agora estava com uma expressão séria, seu tom de deboche se esvaíra. “Qual o problema, Danny? Tem medo de encarar o fato de que sua esposa o pegou em cima da sua secretária meses antes de você fazer o mesmo? Tem raiva por pensar que ela o perdoara mas fez o mesmo com você? Ou tem medo de admitir que está grato pelo empurrãozinho que lhe dei na noite que você a pegou com o seu sócio?” Lúcifer agora falava com um olhar que oscilava entre felicidade, prazer, fúria e sadismo. O mendigo olhava para os lados talvez procurando um meio de fugir daquilo. Eu pensei em fugir dali, mas não encontrei forças para fazê-lo, era como se algo me prendesse à cadeira e dissesse “Aguarde a sua vez, por favor.”
Me parece que o barman teve mais sorte (ou não) que eu. Ele desatou a correr para a porta dos fundos, mas antes de alcançá-las parou e virou-se para o imponente homem de branco que agora se servia de mais uma dose de whisky. “Por favor, Henrique. Não fica bem o dono do estabelecimento sair quando ainda tem clientes com sede.” Lúcifer parecia ter recobrado o tom brincalhão. “Talvez você não goste muito de histórias antigas? Mas devo dizer que este é mesmo o melhor whisky que já tomei, eu daria os meus parabéns ao velho Billy, mas foi realmente um terrível acidente, não?” O barman tremia e suava como louco. Lúcifer provou mais uma vez o whisky e ficou balançando o copo e olhando para o líquido que girava em uma redemoinho infindável, onde nossos sentimentos pairavam inertes e a mente se limpava como num transe tão atraente que não conseguimos escapar. “Mas, tem uma coisa que até hoje eu não compreendi...” disse Lúcifer, pensativo, ainda balançando o copo. “Por que o amarrar e abandonar no deserto?” O barman olhava desesperadamente para Lúcifer, parecia confuso de uma maneira diferente da dos outros dois. Ele parecia não compreender algo. “Ele queria me matar.” disse começando a chorar “Ele queria me matar. Ele achava que conseguia bloquear os pensamentos dele perto de mim, mas eu podia lê-los. Ele pretendia me matar e voltar para a tribo e iria falar que eu era um espírito ruim que tinha feito aquilo com ele... Billy estava ficando caduco.” Lúcifer acenou com a cabeça confirmando entender. “Então você o levou até o lugar em que ele o encontrou quando você era uma criança e o abandonou lá. Realmente, vocês sempre conseguem me surpreender.” Lúcifer olhou diretamente para mim pela primeira vez desde que entrou no bar.
Senti meu coração bater com uma força terrível, meu corpo permanecia completamente mole, eu só podia ficar ali e assistir o que acontecia. “Enfim chegamos em você, jovem Munny. E aí, o que achou?” disse Lúcifer olhando-me como uma criança que pede para o pai avaliar o desenho que ela acabara de fazer. Eu não soube o que dizer naquela hora, o demônio estava me perguntando sobre o que eu achava dele ter bagunçado com a mente de três pessoas, que tipo de resposta eu poderia dar? Me concentrei para não gaguejar e perguntei “Por acaso você planejou para que todos nós nos encontrássemos aqui esta noite?” Ele deu uma gargalhada, não esperava por isso. “Bom, quem sabe? Deus escreve certo por linhas tortas, não é mesmo? Quem garante que não tenha sido Ele?”
Por um tempo, só a chuva lá fora produzia algum som, eu refletia sobre o que ele disse quando continuou “Sabe, a eternidade realmente cansa. Acabei por aderir a um velho hobby de meu Pai. Vocês realmente não enjoam nunca, posso ter algumas desavenças com meu Pai, quem não tem? Mas admito que vocês são uma das melhores coisas que ele já inventou.” Ele parecia refletir, parecia estar distante, perdido em pensamentos.
“E o quê você quer de mim, afinal?” perguntei meio receoso de obter a resposta. Ele divagou mais uns instantes quando tornou a me olhar. “Ora, quando uma brincadeira acaba, inicia-se outra, não é?” ele me respondeu com o sorriso debochado no rosto. Os três homens caíram no chão simultaneamente, não emitiram som algum além do baque seco dos seus corpos contra a madeira velha do assoalho do bar. Uma gota de suor gelada correu da minha testa até o meu peito, aquelas palavras me encheram de pavor mais que qualquer coisa que acontecera aquela noite.
Lúcifer virou o whisky que restava em seu copo, levantou-se e caminhou para trás do balcão. “Acho que vou levar algumas garrafas para a viagem, quer mais um pouco?” ele disse. Eu não respondi, estava praticamente em estado de choque, tudo que conseguia fazer era ouvir e segui-lo com os olhos. Ele caminhou até a mesa e me serviu. “Era você a voz na cabeça do pastor? Você não deveria aparecer depois que ele bebeu?” eu perguntei, de algum modo, ele não parecia perigoso. Lúcifer gargalhou com força, parecia extremamente feliz. “Vocês realmente são seres interessantes. Bravo, Munny! Muito bem notado.” ele bateu palmas, e isso me arrepiou. “Eu disse que apareceria quando quatro gargantas estivessem saciadas, é verdade. Mas tem algo que nem você e nem ele, obviamente, perceberam. Ele estava sedento por vingança, e não há álcool no mundo que sacie este tipo de sede, você não concorda? Só depois que o barman bebeu, que as quatro gargantas foram saciadas.” ele me encarava como um jogador após fazer uma jogada sem saídas no xadrez.
A chuva do lado de fora do bar parecia diminuir. Lúcifer parou de me encarar e olhou para a porta. “Bem, acho que está na minha hora.” ele disse. Eu pude sentir o meu corpo novamente, mas não tinha forças o suficiente para levantar e sair correndo. “Espere! O que vai acontecer comigo?” eu perguntei. Ele me olhou despreocupadamente “Quem sabe? Tudo depende em você acreditar ou não no livre arbítrio.” Ele continuou a caminhar em direção a porta “Tenha um bom dia.”
Eu ouvi seus passos do lado de fora do bar e um tempo depois o silêncio era absoluto. Peguei o copo que ele me servira e virei de uma vez. Apesar de tudo, era um maldito de um whisky gostoso. Pude notar que fracos raios de sol entravam pelas frestas das paredes, parecia que não tinha passado de um horrível pesadelo. Me levantei e quando me virei para a porta vi o corpo do pastor que se matou, não foi um pesadelo. Não consegui mais aguentar e comecei a chorar. Chorava por tudo que acontecera, por ter saído vivo, por medo do que me aguardava. Depois de um tempo me recompus e andei para a saída.
Aquela foi a primeira vez que me encontrei com Lúcifer...

Música para ouvir: The End – The Doors

Um comentário:

  1. Parabénsssssss Digãoooooo.
    Acheii muitooo bacanaaa o final. " Sou um anjo. Meu pai me chamou de Lucifer"(sua cara issoo). A maneira como vc abordou as entrelinhas das historias dos clientes foii muitoo inteligente, a forma como Lucifer interferiou em todas foi muito barbaro, afinal, sempre temos culpa em algo. Apesar de ter gostado do seu conto, percebo que tinha um pequeno demonio dentro de cada um dos clientes ali. Coitado do W. Munny, teve que ouvir tudo e depois só receber um reles Bom dia. hahahahaha

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